
O ano letivo está começando no Brasil. Pensando nisso, e no intuito de poder contribuir de alguma forma para as reflexões que costumam fazer parte desse reinício de ciclo pedagógico, esta postagem contém algumas reflexões sobre o papel do professor e a relação professor-aluno de uma forma mais geral.
Vou começar com algumas descrições e metáforas que ouvimos com frequência sobre
esses assuntos: “Os professores devem atuar como maestros numa sala de aula que
funcione como uma orquestra”; “Os professores são facilitadores do processo de
aprendizagem”; “Um bom professor guia os aprendizes”. A seguir comento algumas
ideias que subjazem a cada um desses comentários, e na parte final da postagem
sugiro algumas ideias de como podemos trazer essas reflexões para a sala de
aula.
Professor-maestro
Uma das vantagens dessa metáfora é que ela remete à ideia de colaboração entre os participantes: cada um cumpre a sua parte, e todos são essenciais para o encaminhamento da tarefa. No entanto, há problemas em se conceitualizar o ensino-aprendizagem dentro desta ótica, entre eles o fato de a “tarefa” ser previamente estabelecida e detalhada, sem possibilidade de criação e/ou improvisação: a música a ser tocada deve seguir exatamente os elementos apresentados na pauta, e o papel do maestro é garantir tal rigor e direção. Uma aula, no entanto, não deve seguir planos tão rigorosamente, e um professor deve ser hábil o suficiente para incentivar flexibilidade, criatividade e contribuição individual ao mesmo tempo em que dá vida a seu plano de aula. Um outro problema com a metáfora do professor-maestro é a conceitualização do professor como o líder supremo, o “sabe-tudo” que todos os outros participantes devem seguir. No processo de ensino-aprendizagem, por outro lado, é preciso legitimizar o conhecimento e experiência dos alunos e entender que tanto eles quanto o professor devem propiciar aprendizagens mútuas. Em outras palavras, todos devem prestar atenção a todos e os alunos podem – e devem – participar na escolha dos assuntos e na condução dos passos de uma aula!
Professor-facilitador
Se entendida dentro de uma ideia de “orientação” e “apoio”, a ideia de “facilitação” da aprendizagem é válida, e falarei mais sobre isso no próximo item. No entanto, se entendida como tendo a finalidade de “tornar a aprendizagem mais fácil”, a metáfora do professor-facilitador é equivocada. É claro que não precisamos sofrer para aprender, mas se trouxermos à memória algumas experiências significativas de aprendizagem em nossas vidas, vamos perceber que nem sempre a aprendizagem foi necessariamente “fácil”. Pelo contrário, a aprendizagem frequentemente envolve tempo, reflexão, tentativas, erros, acertos, mais reflexão-e-tempo-e-tentativas-e-erros-e-acertos, em um processo em que a experiência de “tentar fazer as coisas de forma mais fácil” não necessariamente levaria a uma aprendizagem concreta. Outro problema com a figura do professor-facilitador é que, como com a ideia do professor-maestro, a ideia de “facilitar a aprendizagem” sugere que o ponto de chegada do processo é previamente definido, e o professor apenas tem a função de tornar mais fácil a chegada a esse ponto.
Professor-orientador
A melhor forma de visualizar a imagem do professor-orientador é pensar numa criança aprendendo a andar, tendo suas mãos amparadas por um “par mais competente”, isto é uma pessoa que saiba andar e que ofereça apoio às mãos do aprendiz ao mesmo tempo em que sugere mudança de rumo se necessário – para evitar uma poça d’água, por exemplo – sem necessariamente definir a direção, o tempo e o ponto de chegada da caminhada. Gosto desta imagem para representar o professor porque ela dá conta de várias características importantes em uma aprendizagem eficaz na minha opinião: ela posiciona os dois participantes como indivíduos que colaboram ativamente para o processo; ela dá ao professor uma função de provedor de apoio e direção mas não de detentor de todas as respostas e caminhos; ela dá ao aprendiz a possibilidade de tomar decisões quanto a procedimentos e objetivos; ela conceitualiza a aprendizagem como algo construído em conjunto por professor e aprendiz naquele momento em suas vidas, concebendo a ideia de que diferentes aprendizes construirão seus próprios caminhos e atingirão resultados que lhes sejam relevantes.
Acredito que a noção de “parceria” seja fundamental neste cenário ideal em que professores e alunos constroem juntos seus caminhos e suas aprendizagens, mas para isso tanto professores quanto alunos precisam acreditar em tal parceria e assumir responsabilidade nessa colaboração.
Em sala de aula
A seguir comento algumas ideias que podem trazer tais reflexões para a aula de inglês. As ideias giram em torno de um vídeo disponível na internet, em que um aluno conversa com seu professor, no último dia do ano letivo, sobre algumas formas de “recuperar o tempo perdido” (a interação do vídeo é feita em inglês):
- Em turmas com maior proficiência linguística, pode-se passar o vídeo e organizar debates em grupos sobre a cena. Oriente este debate lembrando aos alunos que os dois personagens têm posicionamentos diferentes e pedindo-lhes que inicialmente listem tais posicionamentos, para em seguida trocar ideias sobre as opiniões dos personagens. Insista na inclusão de exemplos e justificativas às opiniões dadas pelos alunos. Após esses debates, em conjunto, a turma encaminha uma votação sobre quem demonstra um posicionamento mais apropriado: o professor ou o aluno?
- Pode-se organizar debates similares sobre temas específicos relacionados ao vídeo, por exemplo:
- The importance of turning in assignments on time
- To revise our work or not to revise it: that’s the question
- Should we talk to our teachers when we have a problem?
- Teachers’ and students’ roles for effective teaching and learning
Tais temas podem também ser utilizados como tópicos para desenvolvimento de produção escrita (redações, diários, cartazes, apresentações em slides, folhetos para serem distribuídos na escolar, entre outros).
- Em turmas com menor proficiência linguística, pode-se trabalhar o vocabulário a seguir juntamente com a observação do vídeo.
I want to talk to you about my grade Quero falar com você sobre minha nota Lunch break Intervalo para almoço I’ve been teaching classes all day Eu passei o dia todo dando aula Office hours Horário que o professor tem disponível para os alunos Homework assignments Trabalhos para nota que são feitos em casa Turn in assignments Entregar os trabalhos (para nota) Pass your class Passar/Ser aprovado no seu curso What grade did you get on your first essay? Que nota você tirou no seu primeiro trabalho? Did you ask me for help or clarification? Você me pediu ajuda ou esclarecimento das suas dúvidas? Miss a class Faltar a uma aula Fail a course Ser reprovado em um curso Get extra credit Ganhar nota extra (fazendo um trabalho extra, opcional) Take the final exam Fazer a prova final I haven’t graded the final yet Ainda não corrigi a prova final How did you do on your final Como você se saiu na prova final? Before the time was up Antes de o tempo acabar Draft Rascunho Essay Composição, trabalho (escrito) na escola ou universidade |
Em seguida, a turma discute o diálogo do vídeo em português e depois do debate os alunos produzem cartazes em inglês listando GOOD IDEAS and NOT SO GOOD IDEAS no contexto escolar, sob a ótica do comportamento dos alunos e dos professores.
- Como prática de uma estratégia de bottom-up listening (isto é, de foco na compreensão oral em seus elementos mínimos e não na ideia geral), você pode passar trechos do vídeo e pedir à turma que transcreva o que é dito no vídeo.
- Como prática de speaking, você pode pedir aos alunos que trabalhem em pares e preparem roleplays similares entre alunos e professores.
E o que você acha de tudo isso?
Tenho certeza de que, ao ler esta postagem, você pensou em situações do passado, considerou algumas ideias para o futuro, ou seja, refletiu sobre a prática pedagógica. Que tal compartilhar alguns dos seus pensamentos? Eu adoraria ler sobre eles, e tenho certeza que outros leitores também. Lembre-se: para contribuir, clique no link “[x] comentários” e lá escreva seus pensamentos. Em seguida, é só clicar em Publicar!
(Uma versão desta postagem foi publicada no blogue da DISAL em 31 de outubro de 2013)