“Nesta postagem, Analia Tebaldi propõe ideias e reflexões muito relevantes nestes tempos de pandemia. Afinal, o desenvolvimento da produção oral no ensino de língua estrangeira precisa ser repensado se passa a ser trabalhado apenas em ambientes virtuais. No entanto, e como Analia sugere em suas considerações, a tecnologia vem amparar mas nunca substituir ou ofuscar a pedagogia. Como você vê o desenvolvimento da oralidade em ambientes virtuais? Deixe suas ideias e compartilhe a sua experiência na caixa de comentários.”
Denise Santos

Antes de 2020, ouvíamos com frequência que “cursos on-line são o futuro da educação”. Pois é, e veio 2020. Ninguém imaginava que esse futuro estivesse muito mais próximo do que esperávamos. De repente, tudo o que fazíamos e sabíamos que funcionava tão bem numa sala de aula se tornou “inadequado” por causa da pandemia. É fato que o campo da tecnologia voltada à aprendizagem vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas, e que muitos professores e profissionais envolvidos na área de ensino já vêm se dedicando a aprender, testar e incluir em suas aulas novas formas de ensinar através de inovações tecnológicas. Porém, e infelizmente, muitos educadores, talvez por falta de conhecimento, acesso, apoio, ou muitas vezes pela falta de confiança, não consideram o uso de ferramentas tecnológicas em seus planos de aula.
A inclusão de plataformas e ferramentas voltadas ao ensino, especificamente o ensino de língua estrangeira, já vinha sendo feita de maneira progressiva há algum tempo. Tal inclusão vivenciou uma mudança radical devido ao COVID-19. Nos Estados Unidos, onde atuo profissionalmente, dentro de semanas, universidades tiveram que se adaptar de qualquer maneira à alguma forma de ensino on-line. Professores que até então não usavam a tecnologia em suas aulas tiveram poucas semanas para passarem por treinamentos e desenvolverem seus cursos, muitos totalmente on-line. Houve uma explosão de novos aplicativos desenvolvidos especificamente para o ensino de línguas e empresas oferecendo contas de graça de suas plataformas durante a pandemia. Se há alguns meses atrás uso da tecnologia era uma escolha da instituição ou do professor, o jogo agora mudou de regras e o máximo que podemos escolher são as cores das pedras que queremos jogar, ou, dentro das nossas opções, as ferramentas ou softwares que melhor se adaptem às nossas aulas. A confiança ou não nessa ou naquela ferramenta vai depender do nosso nível de familiaridade com ela. Uma ferramenta bem escolhida, bem entendida, e bem usada, pode trazer resultados muitos semelhantes aos encontrados num curso face-a-face.
Uma das grandes preocupações – também presente antes, mas muito mais agora – com relação à integração de recursos tecnológicos nos cursos de L2 é a dificuldade ou falta de interação entre os aprendizes, principalmente em cursos on-line. Quando se mencionam os cursos on-line de língua, surgem logo a seguir questionamentos como: Mas como fica a oralidade? Como os alunos poderão desenvolver a oralidade se não se comunicam oralmente com o professor e os colegas? Ok, vão aprender a gramática, mas como poderão falar a língua se não há prática? No entanto, com o desenvolvimento da tecnologia e com ela a proliferação de aplicativos voltados ao aprendizado de línguas, muitos estudos têm mostrado que a tecnologia pode fornecer ferramentas que venham auxiliar a prática em cursos tradicionais, assim como permitir uma maior chance no sucesso de implantações de cursos híbridos e on-line.
A minha pesquisa e experiência ensinando cursos on-line de língua portuguesa desde 2016 mostram que recursos tecnológicos combinados com criatividade (e muito trabalho) podem criar um ambiente virtual eficaz para servir os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da oralidade de L2. Com as ferramentas existentes no mercado especificamente desenvolvidas para o ensino, ou os milhares de aplicativos que servem paras as mais variadas atividades no dia a dia, podemos hoje selecionar entre eles os que melhor servem para os objetivos traçados, quer na sala de aula tradicional, quer no ambiente on-line. Essas ferramentas, quando bem selecionadas e corretamente utilizadas, permitem o aprendizado de todas as habilidades linguísticas, inclusive a oralidade.
Entre as ferrementas que permitem a interação oral, ao meu ver, duas se destacam pelas suas peculiaridades: 1) BlackBoard Collaborate (BB), que é uma ferramenta de vídeo conferência que faz parte da plataforma BlackBoard e permite a interação de forma síncrona; e 2) VoiceThread (VT), que é uma espécie de discussion board, porém a comunicação é feita oralmente e de forma assíncrona. Essas duas ferramentas são bastante empregadas em cursos de áreas diversas tanto em cursos presenciais como híbridos e on-line.
A minha experiência
Entre 2016 e 2019, desenvolvi um projeto de pesquisa para testar essas duas ferramentas com o objetivo de observar o uso das estratégias de comunicação (ECs) durante interações síncronas e assíncrona por alunos de nível iniciante de português (primeiro e segundo semestre) em cursos totalmente on-line. A pesquisa mostrou que no segundo semestre houve um aumento significativo no uso de ECs durante interações via BB e VT quando comparado ao primeiro semestre. Vários fatores poderiam explicar esse aumento, particularmente no que se refere à interação assíncrona no VT. Por exemplo, a falta de familiaridade com a interação assíncrona no VT durante o primeiro semestre pode ser um fator importante. Dado que as interações assíncronas durante o primeiro semestre são geralmente mais mecânicas – os aprendizes leem sentenças previamente escritas, reduzindo erros – há menos chance para se utilizar ECs. Por outro lado, no segundo semestre os alunos já conseguem ir além da leitura e estão mais confortáveis com a ferramenta e, portanto, tornam-se mais propensos a utilizar ECs durante interações assíncronas. É válida a suposição de que o uso contínuo e o consequente aumento da familiaridade com as ferramentas de interações assíncronas e síncronas provavelmente levarão a um aumento do uso de ECs durante as interações mediadas por computador, fator fundamental ao desenvolvimento da oralidade.
Durante o estudo, também investiguei a percepção dos alunos com relação às suas habilidades orais a partir das afirmações abaixo:
- Eu sou capaz de cumprimentar outras pessoas, perguntar como elas estão, descrever a mim mesmo/a e outras pessoas usando cognatos. Posso dizer quando é meu aniversário e formular perguntas simples sobre localização de objetos.
- Posso repetir uma frase curta com pouca hesitação e pausas.
- Posso repetir uma frase curta sem hesitação ou pausas.
- Posso falar sobre tópicos familiares usando linguagem padrão.
- Posso fazer perguntas simples, dar instruções ou fazer um pedido em um restaurante.
- Posso participar da conversa diária, no entanto, em algumas situações não sou capaz de produzir palavras e frases específicas.
- Posso discutir sobre um tópico específico usando linguagem padrão.
Ao se comparar os resultados dos questionários de autoavaliação do início e final do semestre, foi possível notar que há mudanças de percepção dos alunos com relação à sua proficiência oral na língua alvo. De uma maneira geral, é possível dizer que depois de um semestre em um curso totalmente on-line usando ferramentas que promovem a interação oral usando o VoiceThread e o BB Collaborate, houve uma mudança positiva no comportamento dos alunos com relação à percepção da sua habilidade oral.
Considerações finais
Já não vou dizer aqui que é necessário estarmos preparados para o futuro, pois o uso da tecnologia no ensino, em qualquer área, é a nossa realidade. E mesmo depois da pandemia, algumas mudanças, principalmente nos departamentos de língua estrangeira, serão permanentes. A tecnologia não deve ser vista como vilã, como tenho ouvido, e a sua inclusão em nossas aulas não deve ser vista como algo temporário, mas como uma ferramenta que abre as portas – e janelas – para o mundo. E no caso de línguas estrangeiras menos comumente ensinadas, como é o caso da língua portuguesa, os cursos on-line são uma maneira viável de acesso para muitos alunos vivendo em locais onde o ensino da língua alvo não é oferecido. Esse é o momento para agir e ajustar nossas práticas pedagógicas, de tal forma que a tecnologia possa ser utilizada para facilitar e ampliar o aprendizado, não só neste momento de caoticidade em que estamos, mas como parte importante e fundamental no ensino de línguas.
Entretanto, e isso não é novidade para ninguém, a inclusão da tecnologia em nossas aulas não é uma tarefa fácil, mesmo quando a fazemos de forma gradual, com tempo para treinamentos e pesquisas. No momento o que temos é uma terapia de choque; e terapias de choque podem mascarar um problema emergente, mas também podem causar problemas e traumas a muitos professores e alunos. Se de um de lado há a necessidade de aprendizado e pressão pela rápida adaptação ao formato on-line, do outro lado ainda há dificuldade de absorção e grande resistência de muitos à tecnologia. O choque entre essas duas forças pode gerar efeitos indesejados e comprometer a inclusão da tecnologia na sala de aula, a qual teria uma probabilidade maior de sucesso se tivesse sido implementada de forma progressiva e com suporte pedagógico adequado. As instituições de ensino devem reconhecer esse problema e continuar a desenvolver e aperfeiçoar programas de capacitação de professores. Não podemos perder a oportunidade criada por essa crise para avançar e utilizar recursos que facilitem o aprendizado de L2.

Muito interessante. Eu gostaria de comentar que ha’ anos atras decidi aprender chines e por pouco mais de um ano o fiz exclusivamente com curso online (chinesepod.com) – impressionante a qualidade do ensino e mesmo naqueles tempos em que online stuff was the exception, not the rule, eles conseguiram explorar uma serie imensa de ferramentas. Sem duvida e’ preciso um investimento pesado para montar algo que funcione bem, mas acho uma opcao muito valida…. e before I leave, AMEI a foto associada a postagem. Excelente!
Obrigada pelos seus pensamentos, Sally. Veja a resposta da Analia para você no outro comentário.
Muito obrigada pelo seu comentário. Dei uma olhadinha no chinesepod.com e realmente é muito interessante. Hoje em dia há muitas ferramentas voltadas especificamente ao ensino de línguas. Precisamos testar e descobrir as que funcionam para nossos cursos e ter sempre cuidado para não usarmos muitas ferramentas ao mesmo tempo. Usar uma ferramenta de forma eficiente leva tempo, para o professor e para os alunos. Alguns alunos passam semanas, outros até o semestre todo até conseguirem dominar a tecnoligia.